domingo, 8 de março de 2009

Buenos Aires continua linda. Mas diferente!

O orgulho portenho continua lá, intacto. Entra crise, sai crise mas os argentinos não perdem a pose. Antes de embarcarmos nessa viagem rumo ao coração de nossos maiores adiversários futebolístico na história, foi inevitável ouvir muitas histórias de gente que passou por lá em diferentes épocas de Buenos Aires. Da ascenção do peronismo ao comando de Maradona na seleção argentina, muitas coisas mudaram na superfície da cidade que foi a maior entre todas do continente. A Buenos Aires de hoje, segundo relatos que ouvi, está mais suja e descuidada ou, ainda, menos romântica. De fato, está difícil encontrar uma apresentação de tango sem fugir do circuito comercial. O mais próximo disso que conseguimos encontrar foi uma apresentação de um quarteto de músicos e uma dupla de dançarinos no tradicional Café Tortoni. Para mim, parece que Buenos Aires é uma cidade que se mantém conservadora de velhos costumes enquanto é refém da modernidade e do progresso. Essa atmosfera saudosista certamente é o vírus que infectou meus interlocutores. Buenos Aires vive da melancolia própria e também da melancolia alheia, e seu estado de conservação mais precário se desenvolve como uma obra do fatalismo romântico dos portenhos. A inflação consumiu um país que hoje vive além das posses e patina sobre a imagem de um passado glorioso. Uma visita ao bairro La Boca pode ser algo bastante entediante e irritante graças ao que fizeram da sua paisagem, que perdeu o semblante original e característico para dar lugar a um cenário de peça teatral com pinturas retocadas e varais de roupas falsos, artificiais. Os preços nas alturas transformaram um dos bairros mais antigos e pobres da cidade numa experiência quase exclusiva para turistas cheios da plata. Até o idioma por lá mudou: os ambulantes por lá acreditam ser poliglotas.

Tango, futebol, carne vermelha: Buenos Aires é uma cidade para testar todos os nossos sentidos e emoções.


Mas Buenos Aires é assim, ou não? Já na cidade da Casa Rosada, um outro interlocutor soltou uma jóia quando conversávamos sobre as diferenças entre brasileiros e argentinos: eles são otimistas bem informados. Enquanto nós fazemos samba, eles fazem tango; enquanto nós jogamos "futebol arte", eles jogam "futebol guerra"; enquanto fazemos piadas de nossos heróis, eles idolatram os seus. Deitado sobre berço esplendido na Recoleta, bairro tradicional de endinheirados e ex-endinherados portenhos, está o cemitério que é a jóia da -- como eles sempre gostam de chamar -- nação argentina. Entre seus corredores de mausoléus, um mais lindo que o outro, consta uma lista de personalidades históricas da ex-colônia espanhola. Sempre fui um grande fã de cemitérios mais pelo seu aspecto visual que pela reverência das almas. Já conheci um número considerável de tumbas para avalizar minha opinião de que o Cemitério da Recoleta jaz como uma obra-prima no mundo dos mortos-vivos.

Um fim de semana longo em Buenos Aires está longe de ser um tempo satisfatório para percorrer as várias facetas de uma cidade tão cheia de personalidade e enquadramentos. Os italianos legaram à capital argentina uma vocação indiscutível para a arte e para o bom gosto. Por isso decidimos estender a nossa estadia para algo muito próximo de uma semana completa, com direito a momentos de alta inatividade turística. A dedicação ao ócio não pode ser considerada com culpa, mas pelo contrário como uma oportunidade de conhecer dimensões mais abstratas de uma cidade que abriga uma feira dominical como a do bairro de San Telmo. Arte e antiguidades cobrem ruas e calçadas, estas já muito bem populadas de galerias e restaurantes da moda. Artistas modernos, artistas comerciais e artistas à moda antiga igualmente populam as veias desse universo paralelo da cidade. Ao contrário de La Boca, San Telmo envelheceu com mais dignidade e personalidade. A mescla do excesso de turistas com o excesso de artistas realiza o encontro da arte com o público. Igualmente imponente, a Igreja de San Telmo, dedicada ao santo que dá nome ao bairro, reluz como um exemplar impecável de arquitetura colonial.

Para a vida noturna, no entanto, nenhum dos típicos bairros de Buenos Aires se comparará a Palermo. Em fins de semana, durante o dia bares e restaurantes dão lugar a uma feira dedicada à moda produzida por estilistas locais, com preços muito atraentes diretamente do fornecedor. Porém quando o sol se põe -- ou melhor, bem depois disso, já que os argentino fazem tudo muito tarde e até muito tarde -- Palermo vira um fervo, repleto de opções de lazer noturno. Comer em Buenos Aires é uma coisa que tem tudo a ver com a noite. Muito embora comer também tenha tudo a ver com o estilo de vida dos portenhos -- em todas as refeições do dia. A abundância e qualidade dos produtos lácteos tem algo de extraordinário. É na pecuária, entretanto, que os argentinos se revelam requintados carniceros. De todos os tipos, de todas as variedades e de todos os preços... assim eles construiram uma nação de devoradores de carne. Por fim, vinhos mendocinos e até portenhos completam a mesa, sempre com as proporções generosas de seus pratos. Não é a toa que brasileiros e estrangeiros em geral continuam a povoar as ruas da ex-Paris da América Latina. Não apenas o orgulho continua intacto, mas o charme também permanece ao alcance de bons observadores.

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