quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Memoriais da dor

Caveiras expostas no memorial dos campos de extermínio no Camboja: tristeza e humilhação para um povo que durante séculos reinou absoluto no sudeste asiático e hoje é uma das nações mais pobres do continente.

Quando viajávamos pela Europa fiz questão de evitar uma visita aos vários campos de concentração judeus espalhados pela Alemanha, Polônia e arredores, sendo o campo de Aushwitz o mais conhecido e talvez o mais visitado. Senti repulsa pelo o que é feito nesses lugares, um tipo de turismo grotesco. Ou, simplesmente, porque o tema Holocausto já foi tão explorado pelo cinema, televisão e literatura, que acabei perdendo um pouco da sensibilidade com o horror que foi cometido pelos nazistas não só contra judeus, mas também homossexuais, ciganos, pessoas com alguma deficiência física ou mental, membros da elite intelectual, além de ativistas políticos, Testemunhas de Jeová, alguns sacerdotes católicos e sindicalistas. O líder e mentor disso tudo, Adolf Hitler, tentava promover uma "limpeza" da raça humana.

Genocídios também aconteceram no Sudeste Asiático e pouca gente sabe disso. Viajando pelo Vietnã e Camboja se descobre que os dois países passaram por momentos de guerra que acabaram aniquilando metade da população da época. Do que estou falando? Da conhecida Guerra do Vietnã contra os EUA, entre 1959 e 30 de abril de 1975, e dos Campos de Extermínio, estabelecidos pelo regime comunista totalitário do Khmer Vermelho enquanto o Sudeste Asiático tentava se recuperar do primeiro conflito. A Guerra do Vietnã, que aqui na Ásia é chamada de Guerra dos EUA, tem os horrores registrados no Museu dos Crimes de Guerra na cidade de Saigon, no sul do país. O Museu não possui nenhuma pompa ou estrutura que encontramos na Europa quando o assunto é holocausto. Mas depois de uma visita ao espaço, duas perguntas ficam no ar: quanto tempo eu levaria para digerir as horrendas fotos e reportagens feitas por jornalistas locais e estrangeiros na época e expostas no museu? E como eu me sentiria visitando o local se fosse uma norte-americana?

O antigo nome, Museu dos Crimes de Guerra dos Estados Unidos, foi alterado após os ânimos se esfriarem e as verdinhas começarem a ajudar na manutenção da entidade.

A dor e humilhação promovida pelos exércitos norte-americano e aliados na guerra são mais do que meramente constrangedores, são revoltantes. Cerca de 3 milhões de vietnamitas morreram vítimas da guerra, a maioria civis, além de outros dois milhões de vizinhos cambojanos e laocianos contra 50 mil soldados dos Estados Unidos. No entanto, a devastação deixou marcas mesmo depois do fim do conflito vencido pelos vietnamitas, plantações e florestas foram destruídas por armas químicas, que também atingiram a saúde da população por várias gerações. Depois de visitar o museu entendi porque os vietnamitas possuem uma personalidade fortíssima. Não deixam nada passar em branco e estão bem longe do sorrisinho usado pelos tailandeses com os estrageiros. São, enfim, um povo essencialmente guerreiro.

The killing fields
História menos conhecida é a da execução de 200 mil cambojanos pelo Khmer Rouge, entre 1975 e 1979, nos chamados Campos de Extermínio. O fato se tornou público mundialmente em 1984, quando o filme The killing fields, que no Brasil foi chamado de Gritos do silêncio, foi lançado. O filme britânico e o livro homônimo escrito por Christopher Hudson contam a história do correspondente internacional do The New York Times, Sydney Schanberg, e seu intérprete cambojano, Dith Pran, durante cobertura da tomada da cidade de Phnom Penh pelas tropas do Khmer Vermelho. A produção, que tem John Malkovich no elenco, ganhou três Oscars e é uma boa maneira de conhecer essa parte triste da história do Camboja.

Outra maneira é visitar pessoalmente um dos locais onde eram cometidas as atrocidades na cidade de Choeung Ek, a 17 km de Phnom Penh, e que hoje se tornou um memorial pela morte de 200 mil pessoas nos Campos de Extermínio do Khmer Vermelho. Uma torre de vidro foi construída e nela depositada os crânios e roupas de mulheres, intelectuais e crianças. Quase 9 mil corpos foram decobertos só em Choeung Ek após a queda do regime graças a ação das tropas vietnamitas, em 1979.

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