sexta-feira, 20 de março de 2009

Paraíso no meio do deserto

Eles não possuem contato com o mar, não são famosos pelas mulheres bonitas e nem dispõem da hospitalidade brasileira. Mas estão dando um baile no Brasil quando o assunto é desenvolvimento de sua estrutura turística. Estou falando da Bolívia, um país com fortes raízes indígenas, mesmo depois de ações terríveis dos espanhóis na sua colonização. A Bolívia é uma surpresa indescritível, até mesmo para aqueles que gostavam das aulas de Geografia e sabiam que o Salar do Uyuni é o maior do mundo, que La Paz é a capital mais alta, assim como o Lago Titicaca é o lago navegável de maior altitude. Incrível? Sim, a Bolívia é incrível e os nativos estão aprendendo rapidamente como explorar essas belezas turisticamente.

Começamos nossa jornada até o Salar do Uyuni na cidade de São Pedro de Atacama, no Chile, onde se encontra o deserto do Atacama, o mais seco do mundo. Consultei minha professora de Geografia que lembrou (eu devia estar dormindo nessa aula) que o deserto chileno registrou mais de 400 anos sem chuva em um certo ponto da sua história. Esse deserto, que chegou a pertencer a Bolivia até a Guerra do Pacífico, no fim do século XIX, guarda doces surpresas. É possível passar uma semana na cidadezinha realizando passeios por geisers, lagoas coloridas e salares. Isso porque a cidade chilena, com cerca de 5 mil habitantes, conta com dezenas de prontas a levar grupos de turistas a qualquer um desses pontos -- além de restaurantes super transados com chefes de cozinha que surpreendem com as opções do menu. Experimente o salmão acompanhado de um bom vinho chileno. A comida é de primeira, mesmo em uma cidade que sofre com escassez de água e energia elétrica (os pequenos hotéis têm água quente apenas 12 horas por dia) e está a 100 km da cidade de Calama, a maior cidade da região no norte do Chile, no meio de puro deserto.

É na cidade de São Pedro de Atacama que você também encontra várias opções de empresas bolivianas que fazem o caminho de Atacama até Uyuni, por preços muitos parecidos. Escolhemos uma das várias empresas que fazem o trajeto de três dias, embora a distância nem seja tão grande -- cerca de 450 quilômetros. O caminho reserva boas surpresas e muitas paradas para fotos. A aventura começa pela manhã num micro-ônibus até a fronteira com a Bolívia, uma pequena viagem de 40 minutos. Depois de um café da manhã e chá de coca servidos no meio do deserto, subimos em um carro 4X4 e logo no início da nossa jornada avistamos o vulcão Licancabur, um símbolo da região. A seguir conhecemos a Lagoa Verde que graças aos organismos que vivem em suas águas muda de cor de acordo com o vento que sopra no vale. É só sentar em uma pedra e torcer para que Pachamama, a Mãe Natureza, sopre a nosso favor. Um espetáculo natural.

Areia gelada
A idéia que nós, brasileiros, temos de deserto é de que se trata de um local com temperaturas escaldantes. Não na Bolívia, graças a altitude média de cerca de 4 mil metros acima no nível do mar. Lá a única coisa que é capaz de fazer a temperatura dos congelados turistas subir são as termas espalhadas pelo deserto. Dizem que suas águas possuem qualidades que fazem a pele ter nova vida. Não sei se a informação bate, mas foi bom tomar um banho quente antes de ficarmos no refúgio gelado no meio do deserto que não possui nem mesmo chuveiros, muito menos água quente. A essa altura da viagem, a altitude começou a incomodar. Foi preciso mastigar muitas folhas de coca e tomar seu chá para aguentar a pressão de mais de 5 mil metros de altitude. Entretanto, como vinhamos de um processo lento de subida desde Mendoza, na Argentina, pelos Andes até Santiago do Chile, nossa climatização não foi tão difícil como a de turistas que chegaram ao país de avião.

No dia seguinte fomos surpreendidos pela visão da Lagoa Colorada, tomada de centenas de flamingos raros. Até então achava que esses pássaros combinavam somente com cenas tropicais -- ignorância minha. Mas testemunhamos os pobres magrinhos quebrando o gelo que cobria a Lagoa Colorada para comer os microorganismos que vivem na água. Lá fomos nós a bordo do Jeep e ouvindo histórias do nosso tímido guia e motorista boliviano, Omar. São nessas horas que se descobre o poder de compreender a língua local (e nós brasileiros aprendemos logo a educar nosso ouvido para o Espanhol). Nosso guia deu seu primeiro testemunho do carinho que sente pelo presidente Evo Moralez, o primeiro indígena a alcançar esse cargo. Segundo Omar, Moralez foi seu padrinho de formatura antes da carreira política e realizou mudanças profundas na Bolívia como presidente. Nosso guia foi a primeira prova de como a Bolívia ama seu presidente. Mas nosso guia não estava cego em relação a má influência de Hugo Chavez, presidente da Venezuela, sobre seu país. Pelos menos para alguns locais, a paixão pelo presidente não é cega.

O papo estava bom, mas ainda havia muito o que ver. No caminho conhecemos a Floresta de Pedra, formações rochosas que se parecem muito com plantas. Mais uma parada para as fotos. E mais lagoas pela frente: Hedionda, Cañapa e Charcota. Ao longe avistamos um vulcão ainda em atividade, o Ollage. Ponto de pouco interesse para quem não tem a oportunidade, como nós, de realizarmos uma caminhada até a boca do vulcão. Era preciso mais uma parada e dormimos em um dos hotéis mais incríveis de nossa viagem, o Hotel de Sal de San Juan. Com a grande oferta de sal da região, afinal, o Salar de Uyuni é o maior do mundo (com 12 mil km2), o hotel é totalmente construído de branco: paredes, mesas, cadeiras e até as camas. E, finalmente, havia um chuveiro quente, porque ninguém é de ferro (e muito menos feito de sal).

Grande final
O último dia da viagem chegou e também a parte mais incrível do trajeto: o Salar de Uyuni. Nosso guia nos avisou que nos dias anteriores havia chovido muito, por isso as montanhas estavam cobertas de neve, água da chuva congelado pelo forte frio. O Salar também deveria estar coberto de água o que poderia dificultar nosso trajeto ou tornar o espetáculo ainda mais lindo. Tivemos sorte. O Salar possuía apenas uma camada fina de água sobre uma crosta que pode chegar até 10 metros de puro sal. A superfície se torna como um imenso espelho que reflete as nuvens do céu e as montanhas de areia que circulam o Salar. Era como caminhar na lua. Não tenho dúvida de que o Salar de Uyuni é um dos lugares mais lindos e inacreditáveis que visitamos nesses 12 meses de viagem. Tão perto do Brasil, mas muitas vezes longe dos planos de nossos turistas brasileiros. A Bolívia te espera.

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