segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Onde há dragões, há espíritos


Espalhados por toda a China, de sítios históricos, como este na Cidade Proibida, à prédios modernos os dragões chineses estão lá para afastar o "mal olhado".

Dragões são uma entidade na China. Templos, estabelecimentos comerciais, casas, jardins... se há alguém que acredita no poder dos dragões, eles certamente estarão presentes na fachada oferecendo a proteção necessária contra inimigos materiais ou espirituais. Viajando pelos vários cantos do mundo tive a oportunidade de estar em contato (inevitável) com pelo menos as maiores religiões que hoje regem a sociedade -- cristianismo, islamismo, budismo, hinduísmo e judaísmo -- além de uma série de outras consideradas numa esfera primitiva ou até mesmo extintas. A imensidão das similaridades entre umas e outras chega a ser tão intensa que apenas uma mente recalcada ou acrítica é capaz de ignorar o excitamento que essas descobertas provocam. De todas as semelhanças, porém, nenhuma se aproxima em senso e compreensão à lida do homem para com a religião. As sociedades mudam, os tempos mudam e as religiões se transformam, mas os mecanismos do homem no trato do “espírito” se repetem numa constância e freqüência quase psicótica. Para citar apenas um exemplo: o uso da religião para responder questões obscuras do pensamento é uma prática comum e amplamente difundida por cada pedaço de chão desse planeta. Essa ação resulta em controle sobre os crentes e poder para os sacerdotes. E a resposta para os que negam ou questionam as doutrinas se dá através do sangue (morte ou violência) ou da exclusão (êxilo ou expropriação). E, dessa forma, um a um os padrões se repetem, embora os deuses mudem de nome. É interessante (mais que isso, um privilégio) observar in loco como as religiões se expandem como organismo vivos e mutáveis até que exterminem umas às outras e/ou se fundam criando variações e novos entendimentos que preencherão as mesmas lacunas de outrora.

Hoje me sinto à vontade para dizer que me tornei uma pessoa sem religião. Como sempre digo aos meus amigos, a gente não perde nossas crenças da noite para o dia, como se num clique parássemos de acreditar seja lá no que acreditamos. Para mim foi um processo longo e cheio de turbulências no meio do caminho -- lotado de pedras, para ser honesto. Quando nascemos não temos uma noção transparente do que é a sombra da verdade e, por isso, acabamos adotando as crenças de nossos pais com naturalidade e apatia -- assim como eles adotaram crenças para as quais eram ignorantes. Crianças nascem sem religião ou doutrina e, sendo assim, precisam ser convertidas num comprometimento de pais com o que vem a ser um tipo de garantia no pós-vida, uma vez que pais prudentes cuidam de sua prole não apenas em vida mas também na morte. Dessa maneira, a religião rege a sociedade através do tempo oferecendo, pela expiação e pelo sacrifício, um lugar seguro ao espectro e liberando os homens para que cuidem do bem-estar da matéria. Por sua vez, homens oferecem à religião suas mentes e possessões numa troca que pelo menos em tese parece ser justa, mas que na prática acaba sempre ferindo a uma das partes. O resultado disso todos já sabemos: frustração, culpa, intolerância, repressão etc. até a falência plena de um relacionamento que pretendia ser harmonioso.

Hoje eu compreendo a minha abstinência (porque considero um vício) de religião mais como fruto de uma consciência adeqüada (e formatada) aos novos tempos do que de decepção ou de revolta -- muito embora ambas tenham me alimentado durante esse processo de desconstrução. O mundo moderno, embora travestido em sua recente aura de ciência e conhecimento, não se difere tanto da antigüidade. Se pensarmos na Europa atual, por exemplo, onde o cristianismo há décadas vem perdendo espaço para o materialismo e o hedonismo, seria profano perguntar se realmente reconhecemos traços de uma evolução dos europeus no que tange a sua atitude para com a religião ou seria mais honesto acreditar que por lá os deuses andam apenas mudando de nome? A quebra dos mercados de capitais fazem mais pessoas estremesserem do que o Juízo Final ou um possível carma ruim. Para mim, pessoalmente, o ateísmo tampouco responde as grandes questões da humanidade sobre o que será do pós-vida, mas certamente traz luz sobre a obscuridade do pensamento religioso e é menos passível de controle ou doutrinamento. Não existe certeza de que um mundo sem religião seja um mundo melhor, assim como não existe prova de que ética ou moral emanam exclusivamente de fontes religiosas. Muito pelo contrário, a religião também é -- e assim demonstra a história, até onde pude conferir -- fonte inesgotável de grandes (certamente algumas das maiores) injustiças.

Leia também:
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Façam suas apostas
Comunismo: morto e enterrado
Alguém precisa avisar os chineses: o mundo está em crise

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Fala sério!! Este texto só pode ter sido escrito pela Renata. É esclarecedor e inteligente. Tem uma linguagem rebuscada e ampla, recursos não utilizados por Guther!!
Amei o blog, as reportagens, as fotos, tudo ficou realmente maravilhoso.

13 de março de 2009 às 19:12  

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