domingo, 31 de agosto de 2008

O Nilo, os núbios e o Egito

Às margens do rio Nilo, em Aswan, as felucas completam a vista. A travessia para o lado leste do rio, onde ficam os vilarejos núbios, é uma experiência imperdível.

Navengando em barcos a vela em pleno rio Nilo, as famosas felucas, o povo núbio guarda uma das grandes curiosidades da longa história do Egito. Isso porque os núbios foram uma das civilizações mais importantes e poderosas do Antigo Egito. Chegaram até a se tornar faraós. Ainda, segundo historiadores, os núbios poderiam ser considerados o início da civilização negra da África. Quem visitar a cidade de Assuam, na região sul do país, pode conhecer de perto um pouco dessa história que começou a ser contada no lado ocidental do mundo quando as primeiras missões chegaram a África a cerca de 3.800 a.C. Os núbios já eram citados em registros da época como um povo rico, responsável pelo comércio de ouro, incenso, pedras preciosas e até animais exóticos com o Egito.

Mas uma história tão longa possui também várias reviravoltas. Durante alguns reinados faraônicos, os núbios foram considerados um dos quatro grandes inimigos do Egito. O registro é facilmente encontrado em vários templos, especialmente ao sul do rio Nilo, que mostram estátuas de faraós pisando sobre a imagem dos inimigos, dentre eles o núbios. Eles também tomaram o poder por diversas vezes e governaram o Egito e o Império Núbio, que se estendia até o atual norte do Sudão. No ano de 1315, no entanto, os núbios foram forçados a se adaptar aos costumes do Império Mameluco, que colocou no poder um príncipe núbio convertido ao islamismo. Hoje todos núbio são “arabizados” e muçulmanos. Embora a língua própria ainda seja cultivada entre os habitantes das vilas núbias, a língua oficial é o árabe.

Crianças núbias posando para a foto. A simpatia é uma das qualidades desse povo que vive nos vilarejos de Aswan.

No Egito moderno, os núbios são facilmente reconhecidos pela cor negra e pela simpatia. Por essa razão, o aluguel de uma feluca para navegar pelo Nilo pode se transformar em uma das experiências mais interessantes da região. Uma visita a uma vila núbia, no lado oeste do Nilo é uma experiência válida e altamente recomendada.. Tudo é muito limpo, organizado e a comida é saborosa. Os núbios também transmitem com facilidade uma imagem de confiança e honestidade, experiência dificilmente compartilhada em outras áreas do Egito. As crianças são educadas e a convivência constante com estrangeiros acaba facilitando o aprendizado de outras línguas. Uma menina de dez anos chamou a minha atenção quando visitamos Assuam. Ela possuia noções de inglês, italiano e espanhol. Segundo um dos guias, a explicação é simples: os núbios têm o conhecimento e cultura como um dos maiores presentes que os adultos podem oferecer para a nova geração. Embora mantenham tradições primitivas -- como a que proíbe que mulheres casadas saiam de casa, lua-de-mel que dura um mês inteiro e ter um crocodilo como animal de estimação -- os núbios se adaptaram bem à economia egípcia baseada no turismo. Um tour pelas vilas nubias é um passeio simples, sem pompa, em que você poderá experimentar a hospitalidade e o melhor chá preto com menta de todo o Egito.

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sábado, 23 de agosto de 2008

Egito: uma breve introdução

Mistérios do Antigo Egito, as pirâmides, templos e esfinges (foto) fascinam não apenas pelo design arrojado, mas também pela grandiosidade do projeto arquitetônico.

Visitar as pirâmides, tumbas, templos e ruínas do Antigo Egito torna-se um grande contraste para qualquer bom observador. É quase inacreditável pensar que no mesmo local onde se desenvolveu um povo tão sofisticado -- verdadeiros mestres em campos diversos como engenharia, medicina, matemática, navegação, artes e religião -- atualmente reside um Egito moderno imerso num profundo mar de contrastes e pobreza. Hoje, além das ruínas, sobrou pouco daquela civilização. A impressão que fica é que só existem duas camadas sociais: a dos muito ricos e a dos muito pobres (quase 80% da população). Enquanto os ricos esbanjam comida e água em suas casas bem equipadas com ar condicionado e luxo, os pobres lutam para sobreviver num país expremido de um lado por uma camada política ditatorial e corrupta (no governo há mais de duas décadas), e do outro lado por líderes islâmicos fundamentalistas.

Esse tipo de realidade fica ainda mais evidente no Cairo, capital do Egito. Os estrangeiros, por exemplo, são facilmente encontrados no mesmo local da classe rica egípcia, que parece pular de ar condicionado em ar condicionado: de casa para o carro, do carro para a cafeteria (preferencialmente de alguma rede norte-americana), e do trabalho para os locais mais badalados e exclusivos da cidade. Enquanto isso, lá fora, o sol bate rachando nos taxistas e suas "latas-velhas" caindo aos pedaços pelo tráfego alucinado da cidade que nunca dorme. Também nos policiais vestindo o uniforme branco do verão, nas mulheres vendendo chá preto com menta e nas crianças que desde cedo aprendem a dizer “hello, welcome to Egypt” para qualquer turista.

No meio de toda essa confusão, entretanto, existe um Egito fascinante. O povo é hospitaleiro e parece entender a importância do turista, praticamente a principal fonte de renda do país, que não conta com muitas jazidas do ouro negro. Hotéis cinco estrelas oferecem do bom e do melhor para turístas abastados convenientemente trazidos ao país por incontáveis agências turísticas -- a melhor forma de conhecer o Egito sem passar por grandes dores de cabeça. Mas a verdade é que você precisa caminhar pelas ruas para dizer que conheceu esse país de fato. Para as mulheres, no entanto, andar pelo Egito, especialmente por lugares ou cidades com grande concentração de pobreza, é um desafio quase sobre-humano. Os homens ficam fascinados pelas estrangeiras, facilmente identificáveis pela ausência de véus cobrindo a cabeça. Até por isso, se você é mulher e pensa em visitar Egito, aguente o calor e vista roupas descentes e compridas, porém leves. Isso não eliminará o assédio, mas ajudará a aplacá-lo.

O Egito que pouca gente conhece
Como um bom cidadão ocidental, criado em um país cristão, você já deve ter ouvido milhares de vezes histórias da Bíblia que retratam o tempo dos faraós. Enquanto restam apenas ruínas e hieróglifos dos antigos egípcios, um personagem das sagas bíblicas permanece mais vivo do que nunca: o Rio Nilo, ainda hoje um dos fundamentos da economia local. É possível nevagar por ele em um pequeno barco à vela (conhecidos aqui como felucas) e conhecer uma curiosidade esquecida pelos turistas: o Nilômetro, uma estrutura construída pelos faraós para medir o nível das águas do rio. Dos vários nilômetros espalhados ao longo do rio pelo países descende os cálculos de metragem cubica utilizadas pelos matemáticos até hoje. Com ajuda dos nilômetros, os faraós podiam prever secas e enchentes e, assim, calcular uma previsão de impostos a serem pagos. Ou seja, motivos para rezar, festejar ou fugir.

Além da herança faraônica, a cidade do Cairo é um destino fascinante a ser descoberto por mulçumanos e cristãos fora dos pacotes comerciais das agências de turismo.

Embora a maioria dos turístas cheguem ao país para ver as maravilhas arquitetônicas inspiradas pela religião dos antigos egípcios, cristianismo e islamismo não devem ser relegados a uma segunda classe do ponto de vista histórico e arquitetônico. Concentrados na capital estão duas das áreas mais importantes de ambas as religiões: o Cairo Islâmico e o Cairo Antigo. A primeira revela a intensa atividade islâmica no país desde o século 7. Conhecida como "a cidade das mil minaretes", a diversidade de mesquitas encontradas no Cairo é a mais ampla de todo o mundo islâmico. É possível admirar mesquitas com estilos arquitetônicos de praticamente todas as correntes do islâmismo, desde os tempos do Profeta Maomé até as modernas contruções de hoje. A segunda revela que o cristianismo também tem raízes profundas no Egito. Uma visita ao Cairo Antigo revelará ao turísta desavisado o lugar onde, segundo a tradição, a Sagrada Família teria se refugiado da investida de Heródes para matar o Messias, que segundo as profecias era uma ameaça ao seu poder. No país, os cristãos (10% da população, sendo 99,9% cópticos), todos concentrados na classe mais abastada, são responsáveis pela preservação de uma importante parcela do cristianismo primitivo. Uma longa visita ao Museu Cóptico revelará tesouros pouco conhecidos pelos cristãos ocidentais.

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sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Istambul: um transe entre Ocidente e Oriente

Uma boa dica para as mulheres é sempre carregar uma echarpe na bolsa para cobrir a cabeça e não perder a oportunidade de ver uma mesquita por dentro.

Chegamos à Istambul com o claro objeto de passar quatro noites e, então, seguir para a China. Rapidamente, essas quatro noites se transformaram em duas semanas por que aterrisar nesta cidade significa entrar num estado de transe, enfeitiçados pelo clima mágico que ela ostenta. Por trás da cortina de preconceito estendida sobre o islã, reside um país moldado pelo multiculturalismo de povos que extenderam seus domínios por essas terras. Capital de três impérios -- Romano, Bizantino e Otomano --, Istambul é testemunha ocular da história da humanidade. Pela Turquia passaram Alexandre, o Grande, livrando a região do domínio persa; Constantino, lançando os fundamentos da então nova capital Constantinopla e do cristianismo como religião oficial do Império Romano; Aquiles em sua mitológica batalha na cidade de Tróia; o Apóstolo Paulo e sua gana evangelística convertendo em cristãos a comunidade de Éfeso... Em adição a este estado de transe contínuo, a Turquia é a única república "democrática" e (ainda) secular do mundo islâmico. Só isso já explica por que uma semana neste país defintivamente é pouco tempo. Viajantes sem compromisso com agendas apertadas (como é o nosso caso) podem dedicar mais tempo, porém nunca será tempo suficiente para quebrar o feitiço sob o qual os turistas acabam presos.

Dividida por dois continentes Istambul é o portal de entrada/saída que divide Europa e Ásia. O turco moderno há muito se rendeu ao clima do que pode ser considerada uma das (se não a) cidades mais cosmopolitas do mundo. A inegável tensão entre a democracia secular e o poder islâmico é visível em atentados à bomba, como o que presenciamos durante a nossa estadia. Nada que abale o dia-a-dia deste mundo à parte nem a vida dos turistas que acabam alheios às zonas de conflito político. A vida em Istambul segue num transe cotidiano que mistura história, arte, cultura, comércio, religião, vida noturna, música, turismo, narguilés e, mais do que tudo, Ocidente e Oriente num clima de encantamento ímpar. No mesmo dia é possível estar em ambos os continentes tanto geográfica quanto culturalmente.

Impossível também é estar em Istambul e não se render à sua culinária extasiante, cheia de temperos e sabores fascinantes, e ao intenso comércio que se extende por uma infinidade de lojas e bazares. Os passados Bizantino e Otomano muito bem conservados e suas contribuições para o mundo religioso explicam em detalhes as tensões entre cristianismo e islamismo. Paulo, o Apóstolo, lançou aqui as sementes do cristianismo primitivo, enquanto Constantino, o Imperador, transformou-o em religião oficial do estado. Os Otomanos, por sua vez, conquistaram essa região convertendo templos cristãos em mesquitas, hoje amplamente espalhadas por toda a cidade, dando a ela um aspecto de beleza única e opulenta.

Em Istambul há muito o que ver (e o que comer). Desde grandes mesquitas como Hagia Sofia, hoje um museu que mistura catolicismo ortodoxo e mesquita otomana; o Grande Bazar, o maior mercado público do mundo, repleto de tapetes, roupas, objetos de decoração, kebabes e toda sorte de produtos chineses "de grife"; o Mercado de Especiarias (ou Bazar Egípcio das Especiarias), com uma infinita variedade de temperos e doces; a beleza estonteante da igreja/mesquita Karyie (hoje um museu), uma das mais espetaculares obras-de-arte da era bizantina; a efervescência da vida noturna no moderno bairro de Taksim... Ufa! Hospedagem e transporte público funcionam muito bem para quem viaja com um orçamento apertado. Quem viaja com mais dinheiro pode aproveitar uma qualidade de produtos e serviços equiparáveis aos países mais abastados da Europa ocidental.

O trânsito e a vida em Istambul, de um modo geral, são caóticos, porém a hospitalidade turca aplaca o choque inicial. Num primeiro momento, as mulheres podem se sentir um pouco intimidadas na maneira ocidental de se vertir e se portar... Nada que algumas compras não possam resolver. Embora seja um país islâmico, a mulher turca é moderna e independente, e há muito tempo abandonaram os véus, intensamente utilizados nas ruas pelas turístas de outros países islâmicos como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos ou Síria. Istambul é também um excelente destino para quem gosta de fazer compras, uma vez que além do turismo, o comércio é um dos pilares econômicos do país. Para quem busca agito, restaurantes e vida noturna abundam pelas áreas mais modernas da cidade como Taksim, com opções para todos os bolsos. Esse aspecto de Istambul é um fantástico estimulante para conhecer gente descolada de várias partes do mundo, em especial do leste europeu e do oriente médio.

Táxis e gorjetas
Embora o transporte público funcione muito bem em Istambul, muitas vezes é vantajoso circular de táxi pela cidade. Primeiro, porque os preços são bastante razoáveis, especialmente quando é possível compartilhar o custo da corrida com amigos. Segundo, porque as distâncias entre os principais pontos turísticos da cidade histórica não são demasiadamente longas. Terceiro, porque pegar um táxi em Istambul é uma experiência cultural, isto é, se você tiver a sorte de pegar um dos motoristas malucos. Tome cuidado apenas com a hora do "rush", quando o tráfego literalmente pára, o que pode elevar consideravelmente o preço da corrida. Apesar de usarem taxímetros, dependendo da distância a ser percorrida (do hotel ou albergue até o aeroporto, por exemplo) é uma boa idéia negociar o preço com o taxista antes de embarcar no carro.

Em bares e restaurantes de Istambul geralmente a gorjeta não está inclusa na conta. A regra básica é bem simples e funciona muito bem: se você gostou do serviço, dê uma gorjeta em torno de 5% (talvez você volte a passar por lá); se você não gostou do serviço, a gorjeta é dispensável (mas lembre-se de não retornar ao estabelecimento); se você planeja virar um freguês do bar ou restaurante, dê sempre uma boa gorjeta (algo em torno de 10% ou mais), o que vai garantir atendimento excelente e personalizado da próxima vez, o que inclui pratos mais recheados, bebidas extras e lugares privilegiados.

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