Santa Evita
Diante de tanta polêmica, a própria Evita escreveu uma autobiografia entitulada "A razão de minha vida", publicada em 1951 e que em quatro dias vendeu 145 mil exemplares. O livro conta como Eva Duarte (seu nome original), filha ilegítima de um político, saiu das camadas mais humildes da sociedade argentina e aos 15 anos mudou-se com a mãe para Buenos Aires. Foi na capital que Evita começou a carreira como atriz de rádio e cinema. A cidade também foi cenário para o encontro com o militar Juan Domingo Perón e, algum tempo depois, da famosa revolta popular de 17 de outubro de 1945, quando Perón estava preso e foi libertado das grades através da pressão popular. Nesse momento, a estrela de Eva começou a brilhar na Praça de Maio e na cena que marcou o mundo inteiro discursando para milhares de pessoas da sacada da Casa Rosada. Imagem repetida diversas vezes pelo casal e copiada por muitos que seguem os passos do populismo. Faltava pouco para que Eva ganhasse o apelido de Evita pelas ruas e se tornasse a primeira dama a participar das fotos oficiais de um presidente da Argentina.
Seu poder político
Inspirado na autobiografia de Evita, o museu batizado com seu nome na capital portenha foi planejado para ajudar no intrincado processo de decifrar a personalidade de Evita Perón e do Movimento Peronista. A mostra começa com uma das inúmeras frases tipicamente populistas da "santa" registrada em seu livro: "Alcancei na vida tudo o que uma mulher pode desejar, sou amada pelos pobres e odiada pelas oligarquias". Já a publicação foi leitura obrigatória nas escolas da época, muitas delas contruídas pelo presidente Perón e que foram batizadas com o nome do casal, uma prova de que há muito tempo na Argentina o tamanho do ego é um elemento fundamental para o sucesso. Juntos, além de dezenas de escolas, construíram asilos, projetos de turismo infantil e casas de profissionalização. Entretanto, a maior ênfase do trabalho de Evita era com as mulheres. A primeira dama da Argentina, junto com o marido eleito em 1946, foi a grande defensora de uma lei que permitiu a elas o direito de voto. A conquista, aprovada pelo Congresso em 1947, foi a consagração de Eva Perón. Já a criação do Partido Peronista Feminino foi a segunda parte de um plano para as eleições seguintes. A estratégia era de que houvesse o maior número possível de mulheres com poder de decidir a política em 1951, garantindo assim a permanência do marido no poder. Com o apoio das argentinas, Perón foi reeleito com mais de um milhão de votos de diferença do segundo colocado. A ganância política de Evita só não foi mais longe porque a primeira dama morreu no ano seguinte, com apenas 33 anos de idade, vítima de um câncer fulminante no útero.
O mistério que durou 14 anos
Como toda santa que se preze, sua história merecia mais ingredientes angustiantes e melodramáticos. O corpo de Evita atravessou as ruas de Buenos Aires diante das lágrimas de dois milhões de portenhos que ficaram em luto por um mês. No entanto, o que aconteceu com o corpo embalsamado da primeira-dama permaneceu um mistério por 14 anos. Os planos seriam de colocar o corpo da diva no lugar de um monumento que estava quase concluído na capital. No entanto, quando a Revolução Libertadora retirou o enfraquecido presidente Perón do poder em 1955, o cadáver de Evita foi sequestrado e desapareceu. Muitas teorias foram criadas a partir do sumiço. O que se descobriu muitos anos depois foi que Evita Perón havia sido enterrada na Itália sob o falso nome de Maria Maggi de Magistris e somente em 1976 foi devolvida ao povo argentino. Hoje, Evita Perón descansa em paz no cemitério da Recoleta, numa tumba que não faz jus a sua grandiloquência, mas sempre com flores, junto com outros membros da família Duarte. Nada restou do luxo que ela apresentava em seus trajes e de seus discursos marcantes na Casa Rosada. Na política e na sociedade tampouco. Os ídolos da Argentina parecem ter o fim de qualquer cidadão comum: do pó voltam ao pó.
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