sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Uma breve parada no sul do Brasil...

Nada como descansar um pouco no Brasil, nosso adorado país, e aproveitar para colocar a cabeça no lugar e o resto do corpo em dia. O lado ruim é voltar a assistir o noticiário: bicho, como tem gente corrupta nessa terra! Tá loco! É uma tristeza ver um país tão rico, tão lindo, tão auto-suficiente perecer na mão de gente tão "do mal". Enfim, dessa vez estamos fazendo uma parada no Rio Grande do Sul, em Três Coroas, uma adorável cidade a cerca de 20 km de Gramado, onde moram os pais da Renata. Aliás, embora essa região não seja muito interessante no verão, o inverno aqui bomba, pois é certamente uma das regiões mais lindas do país nessa época. A vantagem de visitar essas bandas de carro é poder passear pelas diversas rotas turísticas como, por exemplo, a Rota Romântica. Uma visão deslumbrante e que faz bonito frente a algumas das mais belas paisagens européias.

Um bom churrasco... A cozinha gaúcha é uma delícia, mas sem sombras de dúvida o churrasco é o prato mais internacional da culinária campeira. Esse aí é de cordeiro.

Gramado, por sua vez, nem precisa de muita propaganda. A cidade é uma jóia na coroa gaúcha e, certamente, dona das melhores receitas de chocolate do país. Uma delícia impossível de resistir. Mas a região da serra gaúcha como um todo é um encanto. A lista de cidades que merecem uma visita vai longe: Canela, Nova Petrópolis, Ivoti, Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Garibaldi etc. etc. etc., de preferência durante algum festival local. Eu, como um bom paranaense, me sinto privilegiado de ter me apaixonado e casado com uma gaúcha daqui, e ainda por cima poder curtir o melhor dessa terra pelo menos uma vez por ano. Nada como passear pela região dos vinhedos, visitar algumas das inúmeras vinículas e tomar algumas amostras dos melhores vinhos e espumantes fabricados no país. A cozinha gaúcha, aliás, é muito rica e marcante. Talvez em nenhum outro lugar do mundo é possível comer comida alemã tão saborosa, nem na Alemanha! Bom, a cozinha italiana então dispensa comentários! Hummm! Porém, nada como a marca registrada da culinária campeira: o churrasco, talvez um dos pratos mais internacionais do Brasil.

Sempre que vamos ao Rio Grande do Sul, Porto Alegre é uma visita mais do que obrigatória. Primeiro, pelo nossos amigos. Segundo, pela atmosfera única dessa cidade grande com áres de interior. Difícil explicar Poa (como os gaúchos adoram chamar a sua capital) em poucas palavras. Ao mesmo tempo que é uma cidade sofisticada -- cheia de opções para apreciadores arte, literatura, cinema e vida notura --, exemplarmente politizada e liberal, é também um foco do conservadorismo no país. Resumindo, Porto Alegre é uma delícia de cidade com ótimas cenas como a Usina do Gasômetro, o pôr-do-sol no Guaíba, o Mercado Municipal, diversos prédios históricos e bucólicos bairros residenciais.

E um bom chimarrão... Hábito compartilhado com argentinos e uruguaios, não pode faltar, faça frio, faça calor. Bom remédio para digestão de uma dieta à base de muita carne.

Como nem tudo pode ser perfeito, o litoral gaúcho é uma decepção. Totalmente dispensável, se você não é gaúcho ou casado com uma gaúcha :). Entretanto, há ainda no Estado outras excelentes opções de turismo como a região das Missões, os Pampas, Pelotas -- que nos tempos do lendário Bento Gonçalves foi umas das cidades mais ricas do país graças a produção de charque -- e a famosa cidade de Chuí, ponto mais extremo ao sul do Brasil e que ganhou fama nacional através expressão "do Oiapoque ao Chuí". Ah, não poderia esquecer outro motivo por que o Rio Grande do Sul também é famoso: as beldades gaúchas! Maluco, não te disseram que a Gisele Bündchen nasceu por essas bandas?

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

China: a rota do progresso

Terceiro maior país do mundo, a China é um território difícil de ser explorado num curto espaço de tempo, em especial quando consideramos as distâncias entre cada uma das principais cidades e províncias. Uma malha rodoviária atende satisfatoriamente o país, assim como uma série de companhias aéreas de baixo custo. Fizemos um plano para explorar a costa leste da China, partindo de Hong Kong, ao sul, até Pequim, nossa última parada há cerca de três mil quilômetros de distância, e então retornar pela ex-colônia portuguesa de Macau (leia artigo da Renata sobre a cidade-território). A costa leste da China concentra o PIB do país, oferecendo a melhor estrutura de serviços, mas em compensação o maior custo. O visto para a China pode ser obtido entre 24 e 48 horas em Hong Kong ou Macau, onde a entrada de estrangeiros é relativamente simples e, para brasileiros, não requer visto prévio. Entretanto, essas questões relacionadas a visto estão sempre sendo alteradas, por isso consulte a situação atual antes de subir a bordo de um avião.

A nossa primeira parada foi em Hong Kong para uma breve passagem de duas noites com o objetivo de obter vistos de entrada para a China continental. A cidade-território é rica e cara, ainda assim é possível achar acomodação barata em áreas nobres da cidade. Encontramos um conglomerado de pousadas na região da estação de metrô Tsim Sha Tsui, uma área central de Hong Kong, com uma grande oferta de shoppings, restaurantes e supermercados na região de Kowloon. Hong Kong pode ser uma cidade complexa de se entender, especialmente com a cessão dos novos territórios pelo governo chinês, o que ampliou significativamente o seu tamanho. Essas pousadas se multiplicam em antigos complexos comerciais-residenciais espalhados pela Nathan Road. Os quartos são minúsculos, mas equipados com banheiro, água quente, televisão, internet sem fio e ar condicionado. Cada um desses condomínios comporta três ou mais diferentes pousadas por andar, proporcionando aos mochileiros uma excelente gama de opções. A localização estratégica pode salvar tempo e dinheiro graças ao acesso facilitado aos pontos turísticos, aeroporto, estações de trem e portos. Paraíso das compras, Hong Kong é um lugar interessante para adquirir eletrônicos, roupas, acessórios e produtos cosméticos que serão úteis na sua viagem pela China. A maioria dos hotéis, pousadas e albergues oferece serviço de expedição de visto, mas há também diversas agências de viagem que podem realizar o mesmo serviço, cujo preço pode variar significativamente. Portanto faça uma pesquisa para encontrar o melhor custo-benefício.

Cruzamos a fronteira da China continental por terra para a cidade de Dongguan, que abriga uma significativa comunidade de brasileiros, muitos trabalhando no setor calçadista. Situada em uma das províncias mais prósperas, graças à proximidade com o território de Hong Kong, só fomos à industrial Dongguan para visitar amigos brasileiros expatriados. A cidade não oferece atrativos turísticos e pode ser dispensada, a não ser que você tenha bons amigos para levá-lo numa tradicional churrascaria gaúcha. De lá seguimos de trem (overnight) para Xiamen, na província de Fujian. Dona de uma atmosfera agradável, a cidade é famosa pela arquitetura européia e pelas inúmeras cafeterias que se multiplicam pelas simpáticas ruas e vizinhanças. Xiamen foi a primeira cidade portuária utilizada pelos europeus (inicialmente portugueses) na primeira metade do século 16, o que explica a extensa influência ocidental na arquitetura e na vocação internacional de seus habitantes. Dona de uma qualidade de vida invejável (entre as melhores da China), Xiamen oferece uma culinária rica em pescados e frutos do mor. A proximidade com Taiwan também exerceu uma forte influência nos pratos típicos dessa região, assim como sobre a sua exuberância financeira. A cidade, apesar de rica e populosa, se diferencia bastante de outros centros urbanos do país graças a sua atmosfera mais tranqüila e relaxada. Mas cuidado: uma visita de dois dias pode rapidamente se transformar em cinco!

A oferta de empresas de baixo custo pode fazer das viagens de avião algo bastante acessível e representar uma importante economia de tempo num país de dimensão continental. Foi assim que seguimos para a romântica cidade de Hangzhou. Apesar de grande e próspera, a cidade encanta pela beleza natural e pela imponente presença do Lago Leste (West Lake). Centro cultural, artístico e religioso, Hangzhou foi escolhida como capital de diversas dinastias chinesas graças a sua posição estratégica e a sua vocação cosmopolita. Também caiu sob domínio Mongol e foi destruída e reconstruída diversas vezes até se tornar hoje em um dos destinos mais agradáveis, ao lado de Xiamen, na rota da prosperidade. A rica e variada culinária de Hangzhou representa uma das oito subdivisões da cozinha chinesa e se caracteriza muito pelo frescor dos ingredientes e pela ênfase no sabor e na fragrância dos pratos.

A cerca de duas horas e meia de ônibus ou trem fica a imponente Xangai, que junto com a capital Pequim compõe os dois principais centros urbanos da China continental. Em nenhuma outra cidade chinesa o progresso chegou de forma tão intensa e devastadora. Os altos índices de poluição dessa capital dos negócios tornam raros os dias de sol e céu aberto. Ainda assim, isso não tira o encanto da cidade nem seu relevante papel na história recente da China. No século 19, Xangai foi palco da Primeira Guerra do Ópio, que levou britânicos, americanos e franceses a estabelecer as primeiras áreas de concessão internacional. Nos anos subsequentes, com a presença de russos (da então recém-formada União Sovietica) e sob ocupação dos japoneses, a cidade se tornou o principal centro financeiro da Ásia. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, Xangai voltou ao domínio chinês e em maio de 1949 sucumbiu ao controle do Partido Comunista, o que representou uma virada estratégica na transformação política do país. A região chamada de Bund ainda preserva diversos prédios que contam a história da ascensão de Xangai como centro do poder econômico e estratégico da China contemporânea. No século 21, a cidade segue imponente nesse papel e é, sem dúvida, a principal concorrente de Hong Kong na disputa pelo papel principal de centro financeiro, influenciando o país no que diz respeito à moda, cultura, tecnologia e comércio. Dois ou três dias, porém, em Xangai são mais do que suficientes para visitar os principais pontos turísticos da cidade. A não ser que você tenha intenção de fazer compras na cidade, certamente o principal centro comercial da China continental. Uma visita ao Museu de Xangai, à região de Bund e ao centro histórico é indispensável. Em termos de comida é fundamental experimentar os bolinhos recheados conhecidos como Dumpling, o delicioso prato da culinária local.

A cidade de Pequim merece entrar em qualquer roteiro de viagem para a China. A Grande Muralha, a Cidade Proibida e o Parque Olímpico são algumas das atrações..

Mais um trem noturno e chegamos à capital Pequim, sede das Olimpíadas de 2008 e do governo chinês. Independentemente do roteiro que se opte por fazer na China é essencial incluir uma longa visita à cidade, com pelo menos cinco dias para explorar suas diversas atrações turísticas e sítios históricos. Cidade Proibida, Grande Muralha, Palácio de Verão, Parque Olímpico... e por aí vai a interminável lista de atividades. Lá nos hospedamos em um dos diversos albergues localizados em uma das simpáticas vizinhanças chamadas de Hutong, que são bairros antigos que se misturam à modernidade da olímpica Pequim. A exemplo de Barcelona, outra cidade-sede das Olimpíadas, os jogos conduziram um profundo processo de modernização e limpeza da cidade. A começar pelos altos níveis de poluição que receberam uma atenção especial, com transferência de zonas industriais e chuvas produzidas artificialmente para limpeza do ar. O sistema de transporte público é impecável, mesmo táxis têm preços acessíveis para quem se entregar à preguiça ou ao cansaço. A Grande Muralha fica fora da cidade e, portanto, vai demandar um dia completo. É possível fazer o passeio por conta própria, assim como comprar um dos passeios vendidos por albergues e hotéis. Já na culinária, Pequim é famosa pelo pato assado, sem dúvida uma iguaria a ser saboreada junto com a essência de uma cidade que mistura as chinas do passado e do presente, seja para o bem ou para o mal.

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terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Façam as suas apostas


Legalizados entre 2001 e 2002, os cassinos dominam a vista de Macau. Hoje a jogatina é responsável pela prosperidade da economia local.


Os bingos não duraram muito no Brasil. Já em Macau, a indústria dos cassinos constrói seus impérios. É difícil não ficar fascinado com os prédios iluminados e luxuoso -- em particular a impressionante torre do novo Grand Lisboa, em formato de uma flor de lotus tomando conta do cenário da cidade. O hotel e seus oito andares só de cassinos deixa os visitantes e jogadores de boca aberta. E, o mais importante, de bolso aberto. Segundo amigos expatriados de outro hotel-casino, o Wynn, com nada menos que 7 mil funcionários, enquanto em Las Vegas (EUA) a relação jogatina/restaurantes-shows fica na casa de equilibrados 60%/40% do faturamento, em Macau esse tipo de balanço está longe de ser alcançado com 97% do faturamento proveniente de jogatina. Os chineses são os principais clientes dos cassinos dessa ex-colonia portuguesa e apostam tudo de de cara limpa, sem um gole de álcool para molhar a garganta, contam nossos amigos expatriados. Ou seja, são jogadores conscientes -- se for possível colocar dessa maneira. Não perdem tempo nem para comer. A média de tempo que um cliente chinês fica dentro de um restaurante é de absurdos 10 minutos. Por conta disso, em meio a uma variedade de cozinhas do mundo inteiro, equipadas com chefes de primeiro escalão e ingredientes finos provenientes de todas as partes do planeta, os tradicionais noodles fazem o maior sucesso. A explicação, segundo nossos amigos, é o tempo de preparo desse prato que leva pouco mais de alguns segundos para serem servidos. Para a frustração dos grandes chefes contratados pelo mundo todo.

Ruínas de São Paulo: Macau também oferece uma requintada coleção de prédios históricos da era colonial, resultado dos 400 anos de domínio português na região.

Mas a fase de ouro dos cassinos de Macau está paralisada no momento. O governo chinês tem freado o visto para a ilha da jogatina. Segundo as autoridades, uma maneira de frear os excessos diante da crise financeira mundial. Isso tem produzido medidas drásticas na indústria do jogo. A construção de prédios foi parada pela primeira vez desde 2001, quando o jogo foi parcialmente autorizado na ilha. No entanto, será difícil tirar o glamour de Macau. Além dos seus prédios modernos e luxuosos, há uma boa quantidade de exemplos da bela arquitetura portuguesa nas redondezas. Todos os prédios que visitamos -- igrejas, ruínas jesuítas, seminários e prédios públicos -- passaram por invejáveis projetos de restauração. E nada mais charmoso e familiar do que passear por ruas que se chamam Estrada do Tronco, Rua da Alfândega, Caminho da Barra e Viela do Peixe Salgado. Tudo em bom português, embora poucos macaenses saibam falar a língua. Embora Macao tenha sido uma colônia de Portugal por mais de 400 anos, ao contrário do Brasil, a língua portuguese não conseguiu vencer o cantonês. No entanto, todas as fachadas de estabelecimentos comerciais, nomes de ruas, placas públicas etc. são escritas em chinês e português, as duas línguas oficiais do país. Uma atração a parte em Macau, que permanece ainda hoje pelo valor histórico e, é claro, turístico. A oferta dos famosos pastéis de Belém, uma especialidade portuguesa, também tem vez nas ruas de Macau. Pelo menos na culinária, a influência cultural deixou bons resquícios.

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sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Comunismo: morto e enterrado

A onipresença da imagem de Mao está mais para um jogo de cena do que para a realidade, já que as suas idéias comunistas foram soterradas pelo capitalismo ao gosto ocidental na nova China.

O capitalismo venceu a batalha, mas não a guerra. A falta de um inimigo à altura transformou os filmes de James Bond em nada além de ação eletrizante. O charme e o romantismo dos tempos de Sean Connery e Roger Moore perderam espaço para a nulidade de Pierce Brosnan e a virulência de Daniel Craig. George W. Bush, ao contrário de outros presidente americanos da segunda metade do século XX, não teve esse aliado para jogar debaixo do tapete a sua infindável incompetência. O mundo anda tão sem sal que graças à crise financeira mundial está mais do que na moda discutir o futuro do capitalismo e recitar a cartilha do politicamente correto sobre desenvolvimento sustentável e aquecimento global.

Em Pequim, a exemplo de dois outros grandes comunistas -- Vladimir Lenin, na Rússia, e Ho Chi Minh, no Vietnã -- é possível visitar o túmulo com o corpo de Mao Tse-Tung, fundador da República Popular da China e artíficie da revolução cultural chinesa. Na China contemporânea, no entanto, ao contrário de seu fundador, as idéias implantadas pela revolução cultural e o governo comunista estão literalmente enterrados sob canteiros de obras que se extendem por toda uma nova China que floresceu com o dinheiro das grandes corporações. Há cerca de duas décadas, a província de Guangdong, ao sul na fronteira com Hong Kong, não passava de campos de arroz típicos da reacionária economia campesina. Hoje, entre as mais prósperas da China, pouco se vê do passado comunista que saiu de cena para dar lugar a um excesso de hotéis de luxo, restaurantes finos, condomínios de alto padrão e rodovias pedagiadas. Não significa que a antiga China, pobre e reacionária, não esteja ainda lá. Porém hoje ela permanece soterrada sob a inciativa muito bem-sucedida -- por assim dizer -- de atrair o capital estrangeiro.

Não pense, no entanto, que o comunismo na China é apenas uma reminiscência. O excesso de controle do Estado sobre a vida privada -- pelo menos a dos chineses comuns -- permanece mais presente do que nunca. A imprensa local -- mesmo a versada em inglês -- é vítima da supervisão de órgãos do governo e da presença de censores que garantem a boa imagem da república popular, ao menos para os chineses. Há benefícios, evidentemente, como a extenção do transporte público e o acesso dos mais pobres a esse importantíssimo benefício. As taxas anuais de crescimento nas alturas também ajudam o governo a manter a apatia geral do povo, atualmente mais preocupado em conquistar o seu quinhão no paraíso capitalista chinês.

Rival de Hong Kong: A China volta seus olhos para Xangai quando o assunto é modernização. Tecnologia, negócios, moda, hábitos... tudo que sai de lá influencia o resto da nação.

Diante desse cenário, uma pergunta que sempre me vem a cabeça é se o mundo está preparado para a locomitiva chinesa. E mais: a China está preparada para a marcha capitalista? A previsão mais cética dá à China um prazo de dez anos para se tornar a maior entre as superpotências econômicas. Entusiastas, por outro lado, acreditam -- sem muita dificuldade ao vislumbrar que a China fechou 2008 com reservas internacionais de quase US$ 2 trilhões, o dôbro de seu vizinho rico, o Japão -- que o país de Mao deverá chegar à cabine de controle do planeta em no máximo três anos. Viajando pela costa leste chinesa, onde se concentra a riqueza proporcionada pelo desenvolvimento agressivo e desordenado do capitalismo por essas bandas, fica fácil acreditar nas previsões mais otimistas. Xangai e Pequim lideram, sem sombra de dúvidas, a ascensão da China ao alto escalão da economia global. Ambas também são a vitrine do país para o mundo: moda, cultura, esporte, tecnologia, negócios... e tudo o mais que interessar ao ocidente. O mais curioso é descobrir em conversas com expatriados que Pequim antes das Olimpíadas deste ano era um lixo de cidade. Suja e poluída. Hoje, porém, ostenta com certeza o título de uma das cidades mais cosmopolitas e sofisticadas do planeta.

Apesar do susto da crise mundial, a China vai "muito bem, obrigado!" Chineses não têm o mesmo acesso ao consumo que se vê no ocidente. Não desfrutam das benesses do cartão de crédito e nem compartilham (ainda) os mesmos hábitos. Para driblar a crise, que evidentemente também chegou nessa parte do planeta, o governo anda estimulando o consumo. Chineses inundam Hong Kong nesse momento com a bênção do presidente e sua equipe econômica. O visto para a região administrativa especial está mais fácil e barato do que nunca, assim como os descontos, que andam batendo na casa dos 70%, estão mais do que convidativos, obscenos. Já para Macau, que vive do dinheiro da jogatina de seus cassinos de luxo, o governo aplicou restrições de emergência na tentativa de orientar todo o dinheiro possível para o consumo. Ainda assim, a cidade-território anda bombando e de acordo com nossos amigos expatriados que trabalham para os cassinos locais, a demanda está surpreendendo diante das previsões pessimistas.

E assim, o Marxismo-Leninismo, ideolgia para a qual 99% dos chineses (desculpem o exagero) é completamente ignorante, não passa de uma sombra. A não ser pela onipresença de Mao em fotos e cartazes espalhados por prêdios públicos das cidades e lojas de chineses nostálgicos, artigo cada vez mais raro. É curioso ver como a imagem do líder comunista permanece imponente no portão de entrada da Cidade Proibida, na capital Pequim, como se fosse o símbolo de uma disnatia, ironicamente o sistema político contra o qual Mao Tse-Tung dedicou sua vida para derrubar.

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quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Alguém precisa avisar os chineses: o mundo está em crise

Na China cidades surgem do nada. Onde havia apenas campos de arroz, hoje habitam cidades modernas construídas em tempo recorde. Xangai (foto) não é exceção.

Do outro lado do mundo prédios e empresas nascem todos os dias. Quem retorna à China após alguns anos, ou até meses, fica atordoado com as mudanças, perdido com tantas ruas novas, pontes e metrôs. A China não pára de crescer. Viajando de Hong Kong para as cidades de Dongguang, Xiamei, Hangzhou, Xangai e Pequim -- entre as mais modernas da China -- vê-se esse processo a olho nú. Com apenas 20% de terra cultivável, o país constrói e fabrica para alimentar a sua população. Afinal, a quantidade média de terra cultivável per capita na China é de somente 0,08 hectares, um terço do nível médio mundial. A luta contra a fome está londe de ser vencida. Afinal, a população é imensa: 1,3 bilhões em 2005. Só no ano da pesquisa, a população aumentou em 7,68 milhões, o equivalente a toda população da Suíça. Isso tudo mesmo com a política da natalidade, de um filho por casal, instalada no final da década de 1970.

Nas ruas de Xangai, famosa por ser um centro de compras no país, chineses passeiam com sacolas e mais sacolas de presentes. Afinal, o Ano Novo Chinês -- que segue o calendário lunar e no dia 26 de janeiro ingressará no Ano do Touro -- se aproxima, e, assim como presenteamos familiares no Natal, os chineses irão presentear uns aos outros. E eles não parecem muito preocupados com a crise econômica mundial. Mesmo diante de uma redução de crescimento na casa de 4% em 2008 -- a previsão pré-crise era de 12%, agora a extimativa é um bom 8% -- os chineses continuam a consumir e a cada mais pessoas ingressam no ideal de classe média. O Brasil enquanto isso segue em seu ritmo de lesma com uma previsão de crescimento de parcos 4%.

Temos muito o que aprender com os chineses. Eles pensam para frente. Estradas são construídas pensando que um dia o fluxo de carro será dobrado. Condomínios são planejados tendo em mente que a classe média irá crescer. Aqui se trabalha muito, o tempo todo, e se tem pouco tempo para pensar. Isso também é um fato triste da cultura local. Chineses, em geral, sabem pouco do seu passado ou mesmo de seu presente graças a forte censura do governo sobre o noticiário local e nacional, que se beneficia da apatia política dos chineses. Não parecem se importar com lazer tanto como nós, ocidentais. Isso está mudando aos poucos nas grandes cidades. É possível encontrar chineses bebendo no fim do expediente, freqüentando karaokês ou, simplesmente, colocando o papo em dia. Mas ainda é fato raro. Por isso, o Ano Novo Chinês é aguardado com tanto entusiasmo por todos, dos mais pobres aos mais ricos.

Para os mais pobres é hora de visitar os parentes e gastar quase todas as economias do ano nas passagens e presentes. Funcionários de chão de fábrica ganham de US$ 50 a US$100 por mês, além de um lugar para dormir ao lado da empresa, três refeições por dia e 15 horas de trabalho. Começam as 7 horas da manhã e param lá pelas 22h. Normal em um país onde não há contratos e muito menos direitos trabalhistas. É a lei da sobrevivência. Aqui se trabalha para suprir as necessidades básicas e também para se ficar rico. Há muito dinheiro rolando na China, carrões para todo lado e lojas de grife. Um país de grandes e profundos contrastes típicos de um país em desenvolvimento. Coisa que a nós brasileiros conhecemos muito bem!

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segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Onde há dragões, há espíritos


Espalhados por toda a China, de sítios históricos, como este na Cidade Proibida, à prédios modernos os dragões chineses estão lá para afastar o "mal olhado".

Dragões são uma entidade na China. Templos, estabelecimentos comerciais, casas, jardins... se há alguém que acredita no poder dos dragões, eles certamente estarão presentes na fachada oferecendo a proteção necessária contra inimigos materiais ou espirituais. Viajando pelos vários cantos do mundo tive a oportunidade de estar em contato (inevitável) com pelo menos as maiores religiões que hoje regem a sociedade -- cristianismo, islamismo, budismo, hinduísmo e judaísmo -- além de uma série de outras consideradas numa esfera primitiva ou até mesmo extintas. A imensidão das similaridades entre umas e outras chega a ser tão intensa que apenas uma mente recalcada ou acrítica é capaz de ignorar o excitamento que essas descobertas provocam. De todas as semelhanças, porém, nenhuma se aproxima em senso e compreensão à lida do homem para com a religião. As sociedades mudam, os tempos mudam e as religiões se transformam, mas os mecanismos do homem no trato do “espírito” se repetem numa constância e freqüência quase psicótica. Para citar apenas um exemplo: o uso da religião para responder questões obscuras do pensamento é uma prática comum e amplamente difundida por cada pedaço de chão desse planeta. Essa ação resulta em controle sobre os crentes e poder para os sacerdotes. E a resposta para os que negam ou questionam as doutrinas se dá através do sangue (morte ou violência) ou da exclusão (êxilo ou expropriação). E, dessa forma, um a um os padrões se repetem, embora os deuses mudem de nome. É interessante (mais que isso, um privilégio) observar in loco como as religiões se expandem como organismo vivos e mutáveis até que exterminem umas às outras e/ou se fundam criando variações e novos entendimentos que preencherão as mesmas lacunas de outrora.

Hoje me sinto à vontade para dizer que me tornei uma pessoa sem religião. Como sempre digo aos meus amigos, a gente não perde nossas crenças da noite para o dia, como se num clique parássemos de acreditar seja lá no que acreditamos. Para mim foi um processo longo e cheio de turbulências no meio do caminho -- lotado de pedras, para ser honesto. Quando nascemos não temos uma noção transparente do que é a sombra da verdade e, por isso, acabamos adotando as crenças de nossos pais com naturalidade e apatia -- assim como eles adotaram crenças para as quais eram ignorantes. Crianças nascem sem religião ou doutrina e, sendo assim, precisam ser convertidas num comprometimento de pais com o que vem a ser um tipo de garantia no pós-vida, uma vez que pais prudentes cuidam de sua prole não apenas em vida mas também na morte. Dessa maneira, a religião rege a sociedade através do tempo oferecendo, pela expiação e pelo sacrifício, um lugar seguro ao espectro e liberando os homens para que cuidem do bem-estar da matéria. Por sua vez, homens oferecem à religião suas mentes e possessões numa troca que pelo menos em tese parece ser justa, mas que na prática acaba sempre ferindo a uma das partes. O resultado disso todos já sabemos: frustração, culpa, intolerância, repressão etc. até a falência plena de um relacionamento que pretendia ser harmonioso.

Hoje eu compreendo a minha abstinência (porque considero um vício) de religião mais como fruto de uma consciência adeqüada (e formatada) aos novos tempos do que de decepção ou de revolta -- muito embora ambas tenham me alimentado durante esse processo de desconstrução. O mundo moderno, embora travestido em sua recente aura de ciência e conhecimento, não se difere tanto da antigüidade. Se pensarmos na Europa atual, por exemplo, onde o cristianismo há décadas vem perdendo espaço para o materialismo e o hedonismo, seria profano perguntar se realmente reconhecemos traços de uma evolução dos europeus no que tange a sua atitude para com a religião ou seria mais honesto acreditar que por lá os deuses andam apenas mudando de nome? A quebra dos mercados de capitais fazem mais pessoas estremesserem do que o Juízo Final ou um possível carma ruim. Para mim, pessoalmente, o ateísmo tampouco responde as grandes questões da humanidade sobre o que será do pós-vida, mas certamente traz luz sobre a obscuridade do pensamento religioso e é menos passível de controle ou doutrinamento. Não existe certeza de que um mundo sem religião seja um mundo melhor, assim como não existe prova de que ética ou moral emanam exclusivamente de fontes religiosas. Muito pelo contrário, a religião também é -- e assim demonstra a história, até onde pude conferir -- fonte inesgotável de grandes (certamente algumas das maiores) injustiças.

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